terça-feira, 11 de dezembro de 2012

NEON VISTO DA SARJETA

Estamos todos na sarjeta, mas alguns de nós estão admirando as estrelas.
(Oscar Wilde)




Andarilho na noite. Excitação e melancolia. Em doses iguais. Encurralado, exilado social, Sid pode exercer sua identidade  na penumbra do umbral que é reservado  para pessoas como ele. Podia não ser assim, tentou fazer com que não fosse. Não teve sucesso. É esse que ele é, e não outro. O marginal e seu submundo. É onde viverá e morrerá. Anônima estatística da plêiade interminável de “desviados da noite”.



Excitação e melancolia. Essa é a sua realidade. Todo o resto é espera.



Nos nichos do subterrâneo, pessoas são sombras. Sentimentos são instintos. O medo é um elemento, mas não paralisa. Não raro é combustível na locomotiva desgovernada do desejo. Homens...  como zumbis... se cruzam nos ambientes fétidos e escuros. Muitas vezes exageradamente  quentes ou frios. Mas não importa. Lá esta o  alívio da carne, que eventualmente virá. Não se falam, mas se conhecem. Não os rostos, mas de maneira silenciosa e sutil, se  irmanam. Cumprimentos num diálogo silencioso. Sem preguntas ou respostas, apenas a simbiose de  mentes confusas, assustadas, excitadas.



As sombras não se tocam mas se confortam, afagam e legitimizam umas as outras. A única paz possível. A única aceitação disponível. O alívio da urgência visceral de homens que desejam corpos de outros homens. A satisfação da inegável necessidade do sexo.  O preço a ser pago? Pouco importa. Nesse momento, não importa nem um pouco.



Sid não queria ser submundo. Esse, definitivamente não era seu plano. Sua busca era por amor. Mas em sua improvável inocência, encontrou amor de alma,  mas não de corpo. Uma armadilha do destino. Poderia ter tido o melhor dos desfechos. Mas não será assim, e tal vicissitude já é aceita como inevitável.



“Você vai... novamente?”

“Novamente e sempre. Qual minha alternativa? Eu preciso ser desejado. Preciso muito. Que escolha você me dá?”

“Somos diferentes. O que é tão forte em você não é parte de mim. Simplesmente não é.”

“Já não luto contra isso. Só queria saber...”

“Saber o quê?”

“O que você queria comigo? Não era um parceiro, pois não gosta de sexo comigo. Não era um amigo, pois sequer vou à sua casa.”



Silêncio. Nenhuma resposta. Era só o que Sid podia esperar, e sabia disso. Mas dessa vez, como em algumas outras, permitiu-se um pequeno desabafo:



“Você não pode ser HOMOssexual, ou HETEROssexual ou mesmo BIssexual. Sabe por que? Todos esses termos possuem a palavra “sexual” contida neles. E isso pressupõe interação com outro ser humano. Você é repleto de humanidade, mas sua empatia com o outro só vai até certo ponto. Não permite que te toquem de maneira não protocolar, que cheguem muito perto. Que fiquem por perto.  Seu afeto é forte, mas tem de acontecer de uma certa distância profilática.”



Novamente, silêncio.



“Bem, essa é a sua doença... apesar de você não enxergar assim. A minha é que você é a única pessoa que posso e quero amar. A única que me comove,  que quero ter por perto. Mas não consigo derrubar o muro de isolamento que frequentemente constrói. E fico de fora te vendo fazer coisas que não me contém. O irônico de tudo isso, é que... mesmo assim...não poderia te amar mais.”



Uma troca de olhares no mais escuro da noite. Na hora que precede a desistência daquele dia, e a sublimação de mais aquele desejo. Aquele olhar é cheio de promessas. Não de qualquer coisa romântica que seja. Sid não procura isso. Já tem seu amor, por mais tortos que sejam os caminhos. E entre extremo rancor e extrema ternura de sua situação, é apenas genitalidade o que procura.



Já é tarde. Logo o sol nascerá. Tudo tem de ser feito rapidamente. Um carro. Economia de palavras. Um beco escuro. Estaciona-se. A expectativa é crescente pelo momento do clímax. Mas não é o que acontece. Sid vê a faca encostada em seu pescoço. É afiada e faz pequenos cortes na pele. O discurso muda,  é agora ríspido e econômico. Carteira, relógio, celular. Tudo é desapaixonadamente entregue. Já não espera mais o alívio de seu desejo. Já não espera mais nada.



Um carro em disparada na noite. O barulho dos pneus. Caído no chão molhado de chuva e urina do beco escuro, Sid sente o sangue que brota de seu ventre. Ele esquenta o corpo, ao mesmo tempo que causa um imenso cansaço. Como um sono. Não há medo. Apenas a promessa de paz.



Já de olhar vidrado, Sid é capaz de enxergar um anúncio em neon que ilumina os últimos momentos de escuridão da noite. Sua mente já está embotada demais para decifrar o significado daquele anúncio. Mas isso não importa. As cores são tão belas! Vê o rosto de seu amado nas luzes. Está deitado em seu colo. Tem seus cabelos afagados. Não poderia haver júbilo maior. Sentindo sua existência fenecer, Sid ainda consegue pensar... “Como eu tenho sorte”. Os olhos se fecham, mas o sorriso permanece, iluminado agora pelos raios de sol do dia que insiste em amanhecer.