quinta-feira, 1 de maio de 2014

Residual Noise

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quarta-feira, 9 de abril de 2014

As Lágrimas de Apolo



Acordo no quarto silencioso e ainda em penumbra. Como um computador quando é ligado, tenho de fazer o “boot” mental. O que é mesmo esse dia? Esse lugar, esse tempo, essa pessoa, essa existência. Vejo-me  cercado de um verdadeiro universo de objetos. Souvenires de outras vidas... nessa mesma. Familiares e hostis ao mesmo tempo. Sua quietude solene me cobra algo. Não, não sei o que é. Coerência? Uma dívida, uma promessa não paga ao meu “eu” passado, que vem me esfregar a promissória na cara? Não, não fui capaz de ir mais longe. Não, não fui capaz de evitar a solidão. Lutei e perdi.
Lutei?
Sim lutei.
Devo, não nego. Não pagarei nunca. Ok assim? Tenho dois pôsteres na parede. Um no quarto e outro na sala. Um farol resistindo bravamente ao mar revolto. A Torre Eiffel sendo construída em cinco quadros, teoricamente cronológicos. Que obsessão é essa com torres? Solidez. Força. Confiabilidade. Se esses são meus valores, arcanos distribuídos nas duas únicas referências ao mundo externo que há na casa... se é isso que meu espírito é... como fui terminar assim?

Na verdade, o pensamento mais assustador é que esse “agora” opaco não seja ainda o fim. Que esse demore um pouco mais. Ou muito mais. 

Madrugada. Outros dormem. Não eu. 

Quero as entranhas preenchidas de calor humano. Ondas de vida na alma e no cu. Tudo o mais, é a morte.
Embalam-me as lágrimas de Apolo.  
Hyacinthus agoniza em seus braços.

Enjoy the silence.

domingo, 11 de agosto de 2013

O Sal e a Páprica



“O sucesso do  sofisticado prato que preparar, dependerá mais da quantidade adequada do reles sal do que qualquer ingrediente mais excêntrico e raro”



E esse tempo que não passa... O quê esse médico e
stá fazendo lá dentro, uma cirurgia? Veja só essa “fauna”. Homens taciturnos sentados em silêncio, folheando essas revistas que não podem interessar a ninguém. Eu não devia estar aqui. Ou devia? Será que minha estória é tão diferente da deles? Sou um homem pacato. De família. Seriam eles?

Seria eu?

Bem, se vim parar aqui, é por que minha jornada também não me credencia muito a julgar ninguém. Minha esposa é linda e carinhosa. Um amor verdadeiro, garimpado com afinco nas minas do tempo. Meu porto seguro. Minha alma gêmea. Minha companheira. Estar com ela é estar em casa.  Entretanto...

O mais valioso não é o mais importante. A falta da mais vulgar, menos nobre das sensações, inviabiliza todo o resto. Por mais precioso que seja.  Na culinária da vida, o sal vale mais do que a páprica. Assim sendo, toda a elevada ternura de um amor verdadeiro se faz secundária perante a ausência de um elemento chave: O desejo.

Não posso falar pelas outras pessoas, mas não posso viver sem. Tentei, não foi possível. Nunca foi possível. Levando em conta o número de homens nessa tediosa e ansiosa sala de espera, não sou o único. Mas bem poderia ser, não me importa. O que importa  é que preciso ser desejado. Pago qualquer preço.  E esse desejo ao qual me refiro não é o abstrato das páginas de revistas eróticas. Dos corpos mais que perfeitos carregados de sex appeal e retoques fotográficos. É a vontade de viver a aventura da transgressão do sexo, da intimidade física,  na companhia daquela pessoa. Fosse essa uma grandeza estética, John Lennon não teria escolhido Yoko Ono.

Assim, Luzia entrou em cena. Não particularmente atraente fisicamente ou agradável como pessoa. Não despertaria uma segunda olhada não fosse pelo fato que sentia desejo por mim. Deixou explicito em várias ocasiões. Não demorou para que o fogo e a pólvora se encontrassem. Não a amava ou amaria. Sabíamos disso e era recíproco. O importante é que, depois de tanto tempo, eu tinha novamente a excitação em minha vida.

Nada... Nem mesmo o amor verdadeiro... se iguala ao toque do desejo.

Durou pouco e o fim não foi lamentado. Não ter aquela pessoa por perto era quase um alívio. Novamente, recíproco.

É melancólico, pelo menos para uma pessoa como eu, ter de expor a própria saúde para conseguir um mínimo operacional de vida. A sensorialidade básica e  essencial de todo ser humano. Ser desejado.

Agora, estou a alguns momentos de uma consulta médica cujo desfecho pode perfeitamente vir a ser meu epitáfio. Um envelope de laboratório sendo aberto. A frase temida. Mas, ironicamente, seja lá o que o destino reserve para mim nos próximos minutos... terá valido cada segundo!

A morte é natural. A morte em vida, não.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Sob o impulso da inércia



                                                      Inércia: subst. f. falta de movimento, apatia



Quando Silvio e Edna se conheceram, foi amor à primeira vista. Um encontro  de almas cuja qualidade era acima do esperado. Silvio, pelo menos, não acreditava que isso fosse possível naquela altura de sua vida. O “bom encontro” de Nietzsche. Aquele que fazia a vida reluzir e aquecer a existência. Não demorou para serem um casal.



Passados os primeiros anos da união, veio a rotina. Silenciosa e paciente assassina das sensações. Lugar comum... a chama da sensorialidade, que apesar do imenso afeto, nunca tinha chegado a ser verdadeiramente uma chama, tornava-se progressivamente menos quente. Tépida. Isso era um problema para Silvio, já que tal emoção era muito importante para ele. Porém, mais importante era seu amor por Edna, a proximidade dos dois. De corpo e alma.



O problema era que a proximidade de corpo foi ficando mais e mais escassa.



Sabendo da natureza de sua amada ser completamente diferente da dele próprio, Silvio acabou aceitando... não depois de alguns bons atritos... as coisas como elas eram. Pediu, entretanto, que um pequeno ritual fosse mantido. Que ambos dormissem sempre nus, possibilitando carícias e eventuais “conchinhas” durante a noite. Nada muito picante. Quase infantil, na verdade. Não era pedir muito. Afinal, viver junto era para ser somar e dividir por dois. Não subtrair um do outro. Edna concordou sem muito entusiasmo, mas manteve a palavra.



Ambos tinham dias de trabalho exaustivos. Como quase todo casal, era quase sempre  refeição,  televisão e cama. Com a intimidade, fica fácil negligenciar o espaço afetivo. Tomar  liberdades como se permitir falar pouco, e  que a televisão fosse a voz ativa da casa, enquanto ambos mergulhavam em seus computadores. Mesmo sem necessidade. Um vício como outro qualquer. Uma zona de conforto. Dias iguais fazem isso com as pessoas. Como se a vida fosse durar para sempre. Como se relacionamentos não precisassem de manutenção, exatamente como a TV e o computador. Só que com menos urgência aparente, já que o amor resolvia tudo.



Não era assim?



Entre uma  navegada na internet e uma olhada na novela ou no programa do dia, Silvio muitas vezes virava para o lado e via Edna adormecida. Ele era sempre o último a dormir. Talvez por ser mais velho, sabia o quão efêmero e traiçoeiro o tempo pode ser, se não for bem administrado. “Meu Deus! Isso já tem dez anos??” Era sempre um sentimento desagradável esse de ser refém do tempo.



Ficava mais tempo no computador, então. Desligava a TV. Por ele, nem chegaria a liga-la mesmo. E quando era hora de ir para cama, frequentemente frustrava-se ao ver que sua parceira não havia tirado as roupas. Naquele dia em particular, estava de calcinha e camiseta. Como Silvio amava aquele corpo. Não querendo incomodar, abriu a gaveta de Edna e pegou uma para cheirar. Ele a desejava como no primeiro dia. Não raro, masturbava-se sentindo no rosto a maciez da peça  e inebriando-se com os odores daquela a quem amava acima de todos..



Não muito tempo depois desse dia, Edna, que havia mais uma vez dormido vestida, tem uma surpresa ao despertar. Ao seu lado está Silvio. Dormindo tranquilamente... usando uma de suas calcinhas. Após alguns segundos de incredulidade, acorda o marido.



Silvio... Silvio... Acorda


(espreguiçando) Ah... Bom dia, amor.


Silvio... que porra é essa?


Não gostou? É sua.


Eu sei que é minha. Eu perguntei que porra é essa!


Nada. Nada de mais. Só que eu resolvi que quando você esquecer de tirar a roupa, eu vou lembrar de colocar uma calcinha em mim. São bem confortáveis, eu não sabia. Bem diferente de cueca. Bem mais macia.


Deixa de ser criança. Que represaria mais infantil... eu às vezes estou muito cansada e desmaio como estiver. Não assinei nenhum contrato em sangue. Você tem cada uma...


Calma. Não seja tão impaciente. Se tem uma coisa que aprendi com você é que conflito é  inútil, e que ninguém faz o que não quer. Só que isso vale para mim também.




Diante do sorriso cínico do marido, Edna resolve não  esticar o assunto. Melhor sempre não fazer nada e deixar que as coisas voltem ao normal sozinhas. Só que, após alguns dias de observância da promessa inicial de dormir sem roupas, o episódio da calcinha se repetiu. Edna limitava-se a fazer uma cara feia. Assim mesmo bem rapidamente, para não “dar cartaz”.  E foi assim mais algumas vezes.



Até que parou.



Eu uma manhã se domingo, acordou vestida e viu que Silvio dormia ao seu lado. Nu. Sem calcinha. “Conheço o meu gado” pensou. Levantou-se... era sempre a primeira a acordar...e foi preparar seu café.







Em outro dia, Silvio teve de acordar mais cedo por causa do trabalho. Beijou-a na testa sem querer perturbar e despediu-se. Edna dormiu um pouco mais naquele dia. Quando finalmente despertou, foi cuidar de seu ritual matinal de banho, café e vestir-se para o trabalho. Ao abrir o armário para pegar sua roupa, viu lá no fundo, meio que escondido, uma sacola plástica grande. Pegou para ver o que era. Havia roupas lá dentro. Roupas de mulher! E não eram dela! Será que Silvio teria uma amante? Eram roupas muito caras, de bom gosto. Entre chocada e incrédula, pensou: “Quando Silvio chegar hoje à noite, vamos ter uma conversa muito séria”. Colocou a sacola novamente no fundo do armário e saiu para o trabalho perturbada.



Foi um dia longo. Incapaz de concentrar-se em suas tarefas rotineiras, resolveu ir para casa mais cedo esperar pelo marido. Havia muita coisa para ele explicar. Inventou uma desculpa para o chefe, que a liberou sem contestar, já  que não era de seu feitio fazer coisas assim. Chegando em casa, abriu a porta e viu que havia luzes acesas. Silvio já tinha chegado. Melhor assim. Não gostava de esperar.



Ao entrar no quarto, teve uma surpresa que a deixou literalmente de queixo caído. Diante de si estava Silvio, que também chegara mais cedo para esperar pela esposa. Vestido de mulher dos pés à cabeça. Sapato salto agulha, peruca e maquiagem pesada. Edna estava sem palavras. Foi seu marido quem falou. Calma e pausadamente.



Que bom que chegou, Edna. Precisamos ter uma conversa.







Dois anos depois, Edna recebe um cartão postal de Silvio. Agora Silvia. A cirurgia de mudança de sexo havia sido bem sucedida e a recuperação seria longa e dolorosa, mas Silvio estava animada. Contava no cartão que mal podia esperar para encontrar Edna. Que agora poderiam ser próximas de uma maneira que era impossível pra ele antes, mas que era obviamente a única que interessava Edna. Silvio dizia que o fato de ambas terem parceiros diferentes, não significava que não eram almas gêmeas.



Edna sentia que havia perdido algo, apesar de não saber exatamente o quê.
















terça-feira, 11 de dezembro de 2012

NEON VISTO DA SARJETA

Estamos todos na sarjeta, mas alguns de nós estão admirando as estrelas.
(Oscar Wilde)




Andarilho na noite. Excitação e melancolia. Em doses iguais. Encurralado, exilado social, Sid pode exercer sua identidade  na penumbra do umbral que é reservado  para pessoas como ele. Podia não ser assim, tentou fazer com que não fosse. Não teve sucesso. É esse que ele é, e não outro. O marginal e seu submundo. É onde viverá e morrerá. Anônima estatística da plêiade interminável de “desviados da noite”.



Excitação e melancolia. Essa é a sua realidade. Todo o resto é espera.



Nos nichos do subterrâneo, pessoas são sombras. Sentimentos são instintos. O medo é um elemento, mas não paralisa. Não raro é combustível na locomotiva desgovernada do desejo. Homens...  como zumbis... se cruzam nos ambientes fétidos e escuros. Muitas vezes exageradamente  quentes ou frios. Mas não importa. Lá esta o  alívio da carne, que eventualmente virá. Não se falam, mas se conhecem. Não os rostos, mas de maneira silenciosa e sutil, se  irmanam. Cumprimentos num diálogo silencioso. Sem preguntas ou respostas, apenas a simbiose de  mentes confusas, assustadas, excitadas.



As sombras não se tocam mas se confortam, afagam e legitimizam umas as outras. A única paz possível. A única aceitação disponível. O alívio da urgência visceral de homens que desejam corpos de outros homens. A satisfação da inegável necessidade do sexo.  O preço a ser pago? Pouco importa. Nesse momento, não importa nem um pouco.



Sid não queria ser submundo. Esse, definitivamente não era seu plano. Sua busca era por amor. Mas em sua improvável inocência, encontrou amor de alma,  mas não de corpo. Uma armadilha do destino. Poderia ter tido o melhor dos desfechos. Mas não será assim, e tal vicissitude já é aceita como inevitável.



“Você vai... novamente?”

“Novamente e sempre. Qual minha alternativa? Eu preciso ser desejado. Preciso muito. Que escolha você me dá?”

“Somos diferentes. O que é tão forte em você não é parte de mim. Simplesmente não é.”

“Já não luto contra isso. Só queria saber...”

“Saber o quê?”

“O que você queria comigo? Não era um parceiro, pois não gosta de sexo comigo. Não era um amigo, pois sequer vou à sua casa.”



Silêncio. Nenhuma resposta. Era só o que Sid podia esperar, e sabia disso. Mas dessa vez, como em algumas outras, permitiu-se um pequeno desabafo:



“Você não pode ser HOMOssexual, ou HETEROssexual ou mesmo BIssexual. Sabe por que? Todos esses termos possuem a palavra “sexual” contida neles. E isso pressupõe interação com outro ser humano. Você é repleto de humanidade, mas sua empatia com o outro só vai até certo ponto. Não permite que te toquem de maneira não protocolar, que cheguem muito perto. Que fiquem por perto.  Seu afeto é forte, mas tem de acontecer de uma certa distância profilática.”



Novamente, silêncio.



“Bem, essa é a sua doença... apesar de você não enxergar assim. A minha é que você é a única pessoa que posso e quero amar. A única que me comove,  que quero ter por perto. Mas não consigo derrubar o muro de isolamento que frequentemente constrói. E fico de fora te vendo fazer coisas que não me contém. O irônico de tudo isso, é que... mesmo assim...não poderia te amar mais.”



Uma troca de olhares no mais escuro da noite. Na hora que precede a desistência daquele dia, e a sublimação de mais aquele desejo. Aquele olhar é cheio de promessas. Não de qualquer coisa romântica que seja. Sid não procura isso. Já tem seu amor, por mais tortos que sejam os caminhos. E entre extremo rancor e extrema ternura de sua situação, é apenas genitalidade o que procura.



Já é tarde. Logo o sol nascerá. Tudo tem de ser feito rapidamente. Um carro. Economia de palavras. Um beco escuro. Estaciona-se. A expectativa é crescente pelo momento do clímax. Mas não é o que acontece. Sid vê a faca encostada em seu pescoço. É afiada e faz pequenos cortes na pele. O discurso muda,  é agora ríspido e econômico. Carteira, relógio, celular. Tudo é desapaixonadamente entregue. Já não espera mais o alívio de seu desejo. Já não espera mais nada.



Um carro em disparada na noite. O barulho dos pneus. Caído no chão molhado de chuva e urina do beco escuro, Sid sente o sangue que brota de seu ventre. Ele esquenta o corpo, ao mesmo tempo que causa um imenso cansaço. Como um sono. Não há medo. Apenas a promessa de paz.



Já de olhar vidrado, Sid é capaz de enxergar um anúncio em neon que ilumina os últimos momentos de escuridão da noite. Sua mente já está embotada demais para decifrar o significado daquele anúncio. Mas isso não importa. As cores são tão belas! Vê o rosto de seu amado nas luzes. Está deitado em seu colo. Tem seus cabelos afagados. Não poderia haver júbilo maior. Sentindo sua existência fenecer, Sid ainda consegue pensar... “Como eu tenho sorte”. Os olhos se fecham, mas o sorriso permanece, iluminado agora pelos raios de sol do dia que insiste em amanhecer.