Acordo no quarto silencioso e ainda em penumbra. Como um
computador quando é ligado, tenho de fazer o “boot” mental. O que é mesmo esse
dia? Esse lugar, esse tempo, essa pessoa, essa existência. Vejo-me cercado de um verdadeiro universo de objetos. Souvenires
de outras vidas... nessa mesma. Familiares e hostis ao mesmo tempo. Sua
quietude solene me cobra algo. Não, não sei o que é. Coerência? Uma dívida, uma
promessa não paga ao meu “eu” passado, que vem me esfregar a promissória na
cara? Não, não fui capaz de ir mais longe. Não, não fui capaz de evitar a
solidão. Lutei e perdi.
Lutei?
Sim lutei.
Devo, não nego. Não pagarei nunca. Ok assim? Tenho dois pôsteres
na parede. Um no quarto e outro na sala. Um farol resistindo bravamente ao mar
revolto. A Torre Eiffel sendo construída em cinco quadros, teoricamente cronológicos.
Que obsessão é essa com torres? Solidez. Força. Confiabilidade. Se esses são
meus valores, arcanos distribuídos nas duas únicas referências ao mundo
externo que há na casa... se é isso que meu espírito é... como fui terminar
assim?
Na verdade, o pensamento mais assustador é que esse “agora”
opaco não seja ainda o fim. Que esse demore um pouco mais. Ou muito mais.
Madrugada. Outros dormem. Não eu.
Quero as entranhas preenchidas de calor humano. Ondas de
vida na alma e no cu. Tudo o mais, é a morte.
Embalam-me as lágrimas de Apolo.
Hyacinthus
agoniza em seus braços.
Enjoy the silence.
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