segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A Porta

Fecho a porta devagar. Giro a chave. Uma vez. Duas vezes. Parece irreal.

Ela se foi.

Uma pequena discussão na noite anterior. Ou nem isso. Reclamações de ambas as partes de falta de atenção. Ambas as partes com razão. Não vinha ao caso quem tinha razão. Aproveitei-me do momento para propor, exigir, comunicar... o rompimento.

De alguma maneira,  ela sabia que tinha de ser assim. Não sabia os motivos. Ou O motivo. Mas intuía que era para valer. Que estava realmente acontecendo. Chorou. Eu não chorei. Tinha um discurso, não lembro o quanto desse discurso havia sido planejado e o quanto improvisado. Derramei minha retórica, cobrindo o evento de toda a lógica que pude enxergar... ou inventar. Queria fazer as coisas mais fáceis para mim e para ela. Queria que ficasse bem claro que estávamos nos separando naquele momento e para sempre. Não era uma pausa, era definitivo. Era importante que ficasse bem claro que era definitivo.

Ficou

Era noite e ambos trabalharíamos cedo no dia seguinte, apesar de não exatamente na mesma hora. Fomos dormir. Em nossa cama como sempre dormimos. Ela chorou. Soluçou baixo. E eu morria a cada segundo. Do alto de minha mais cristalina convicção de que estava acontecendo o que tinha de acontecer, eu morria. Ela pediu que eu a abraçasse até que dormíssemos, como sempre fazíamos. Eu abracei. O escuro do quarto. O silêncio. O fracasso. A ternura. Nós.

Não lembro quem dormiu primeiro. Acordamos mais ou menos juntos. Ela tomou seu banho como sempre. Eu mantive meu silêncio. Os mortos não falam.

Ela se vestiu para sair. Pegou suas coisas. Outro dia voltaria para levar roupas e objetos. Levar tudo de seu do meu apartamento. Tentei, antes da grande decisão, fazer com que fosse nosso apartamento. Não funcionou. O universo sabe o que faz. Sabe? Ela sairia primeiro. Seus olhos brilhando. Lágrimas da mais legítima dor. Abri a porta. A luz do corredor nos banha aos dois juntos pela ultima vez. Um ultimo beijo??

Mas é claro que sim... É claro que sim!

Ela desce a escada. Eu me viro em direção ao apartamento. Eu entro. Fecho a porta. Parece irreal. Nossa foto no porta-retratos na cômoda.

Ela se foi.

Não sei se ando ou se fico parado. Teria mais tempo antes de sair para o trabalho. Deitar-me mais um pouco? Não. Banho. Um banho quente. Entro no banheiro, fecho a porta, abro a torneira... vejo a toalha dela.

Ela se foi

Uma explosão se segue dentro da minha alma. Não o choro contido dela, mas um pranto quase histérico. Choro como uma criança. Uma criança com medo. Seguro a toalha dela
como se fosse um ser vivo. Em meio aos meus soluços e lágrimas incessantes eu falo.

“Perdão... perdão... eu não queria que você sofresse... mas eu não estava feliz... EU NÃO ESTAVA FELIZ... eu não poderia mais fazer você feliz por que isso seria a minha morte... eu estava morrendo... perdão... perdão por eu não poder ser o que você precisa... perdão...”

Essas são as palavras que lembro que falei, ecoando no silêncio do banheiro. Como se falasse a ela. Como o diálogo que teria sido impossível. Que teria trazido sofrimento maior, sim, ainda maior, para nós dois. Não sei quanto tempo durou isso. Durou muito. Lembro da água quente molhando meu corpo e do choro se acalmando. Lembro de olhar novamente para a toalha dela logo após fechar a torneira.

Era um dia de trabalho. Como outro qualquer. As coisas práticas da vida não respeitam nem as grandes tragédias da humanidade, imagine as pequenas. Saio. Dirijo-me ao metrô. Tento ocupar minha mente com os afazeres do dia. Terei conseguido? Os pés sabem o caminho. Eles que me levem. Que a vida me leve agora. Fiz o que tinha de fazer. Ela estava livre. E eu também.

Ela... nunca mais. Nunca mais.

Perdão. Adeus.

Eu te amo



3 comentários:

  1. Sergio, você tem uma qualidade muito rara. Consegue ser surpreendente. Seu texto é elegante, cativante, enxuto e apaixonante. Propõe cortes, pausas, uma edição invisível do imaginário de sua narrativa, que revelam ao esconder e escondem ao revelar. Tudo isso com a moldura de uma generosa delicadeza que atinge profundamente. Não retiraria uma vírgula sequer. Sua sensibilidade faz com que terminemos de ler ungidos de misteriosa cumplicidade. Estou sendo detalhado em meus comentários para que não pense que estou apenas querendo agradar. Sei do que estou falando, nada me toca mais do que ser surpreendido com humanidade, entrega e abandono contidos em uma obra de arte. Tem minha admiração e reverência.
    Estou com os tapes. Eles serão digitalizados até o fim do ano. Vou ver se acho as partes do BEBÊ. Mantenha contato.
    Um grande abraço.
    Carlos L.

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